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Notícias - Artigo da Semana

Gestação - Anemia e Deficiência de Ferro

Postado em 29 de maio de 2018

Medindo os níveis de ferritina e tratando com ferro via oral ou IV, obstetras conseguem fechar a lacuna no atendimento de gestantes com anemia por deficiência de ferro.

Todos os mamíferos dependem de um suprimento continuo de oxigênio para viver. O oxigênio é transportado para as células por uma ligação não covalente com a molécula de ferro na hemoglobina das células vermelhas. Várias proteínas microssomais e mitocondriais como mioglobina e citocromos ligam-se a porção do ferro por ligações não covalentes. Consequentemente, para utilizar com eficiência a molécula de oxigênio, todos os mamíferos dependem de uma quantidade adequada de ferro. Surpreendentemente, em uma era de alta tecnologia e medicina de precisão, muitas gestantes apresentam deficiência de ferro e anemia e não recebem suplementação adequada de ferro.

Deficiência de ferro é prevalente em mulheres e gestantes:

Com frequência as mulheres sofrem de deficiência de ferro devido a gravidez ou sangramentos menstruais abundantes.

Durante a gestação, o ferro materno é utilizado para suprir as necessidades do feto e da placenta. É necessária uma quantidade maior de ferro para expandir o volume das células vermelhas maternas e repor a perda de ferro causada pelo sangramento na hora do parto. De acordo com uma analise realizada pelo National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) no período de 1988–1994, 11% das mulheres entre 16 e 49 anos eram deficientes em ferro. Em contrapartida, menos de 1% dos homens de 16 a 49 anos eram deficientes em ferro.

Em um estudo do NHANES de 1999 - 2006, os fatores de risco para deficiência de ferro incluem: multiparidade, gestação e ciclos menstruais regulares. O uso de anticoncepcionais orais reduz a taxa de deficiência de ferro. Usando os mesmos dados, a prevalência da deficiência de ferro durante o primeiro, segundo e terceiro trimestres da gestação foram de 7%, 14% e 30 % respectivamente. Além disso, existem outras condições que podem contribuir para a deficiência de ferro como: infecção por H. pylori, gastrite, doença celíaca e cirurgia bariátrica.

Anemia ferropriva pode estar associada a eventos adversos durante a gestação:

Em um estudo retrospectivo com 75660 gestantes, 7977 mulheres foram diagnosticadas com deficiência de ferro quando foram internadas para realização do parto. Gestantes com deficiência de ferro apresentam maior risco para:

- transfusão de sangue - parto prematuro - parto cesáreo
- Apgar de 5 minutos <7
- internação em unidade de terapia intensiva

Em uma revisão sistemática com 26 estudos, a anemia materna – principalmente por deficiência de ferro, foi associada a um risco maior de recém-nascidos com baixo peso, prematuridade, mortalidade perinatal e mortalidade neonatal.

Em um ensaio clínico randomizado, gestantes foram aleatoriamente designadas para receber suplementação com acido fólico somente, acido fólico e suplementação de ferro ou utilização de 15 vitaminas e minerais incluindo acido fólico e ferro. Durante o parto, mulheres que utilizaram acido fólico e ferro e o grupo que utilizou 15 vitaminas e minerais apresentaram concentrações de hemoglobina mais altas do que o grupo que utilizou somente suplementação com acido fólico. Entre 4697 nascidos vivos, mulheres que receberam ácido fólico e ferro apresentaram significativamente menos prematuridade (<34 semanas) do que o grupo ácido fólico.

O diagnóstico da deficiência de ferro é otimizado pela dosagem de ferritina sérica:

A avaliação da ferritina sérica é um excelente teste para diagnóstico da deficiência de ferro. O departamento de Ginecologia e Obstetricia de Harvard recomenda que todas as gestantes dosem a ferritina sérica na primeira consulta de pré-natal e no começo do terceiro trimestre para avaliar os estoques de ferro materno.

Na gestação, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) define anemia como nível de hemoglobina menor que 11 g/dL ou hematócrito menor que 33% no primeiro e terceiro trimestres.

Se a gestante não está anêmica, o nível de ferritina sérico menor que 15 ng/mL indica carência de ferro; alguns especialistas acreditam que níveis de até 30 ng/ml também podem indicar carência de ferro. Ainda, se a gestante é anêmica sem causa definida, ferritina sérica menor que 40 ng/mL indica carência de ferro.

A ferritina é também um reagente de fase aguda e seus níveis podem estar falsamente elevados na presença de inflamações agudas ou crônicas, doenças hepáticas, falência renal, síndrome metabólica ou malignidade. Algumas mulheres com deficiência de ferro decorrente de cirurgia bariátrica ou má absorção também apresentam deficiência de vitamina B12 e mais raramente deficiência de folato, o que pode contribuir com o desenvolvimento de anemia.

Acredita-se que a medida do volume corpuscular médio (VCM) apresentando microcitose é o melhor teste para avaliar a deficiência de ferro. No entanto, a disponibilidade reduzida de ferro e ferritina precedem o aparecimento da microcitose. Sendo assim, a microcitose é uma medida de aparecimento tardia e a dosagem de ferritina permite o diagnóstico mais precoce da deficiência de ferro.

Ferro na dieta:

O ferro está presente na comida em formas heme – carne, frango, peixes - que são melhores absorvidas e formas não heme – grãos, vegetais e suplementos. Alimentos ricos em ferro na forma não heme incluem: espinafre, lentilhas, ameixa seca, e cereais fortificados. A absorção das formas não heme é facilitada pela presença de vitamina C ou alimentos contendo vitamina C – brócolis, pimentão, melão, uvas, laranjas, morangos, tomates. A absorção do ferro não heme é reduzida pelo consumo de lacticínios, café, chá e chocolate.

Tratamento com ferro via oral:

A utilização de ferro oral é efetiva, barata, segura, e amplamente disponível para tratamento da carência de ferro. O CDC recomenda que toda gestante receba 30 mg/dia de suplementação de ferro, exceto nas portadoras de hemocromatose.

Para mulheres com níveis baixo de ferritina e anemia, a suplementação de ferro poderá ser de até 120 mg/dia. Nem todas as vitaminas pré-natais contém ferro. Aquelas que contém apresentam dosagem de 17 – 28 mg. Muitas mulheres recebendo ferro via oral especialmente em doses maiores que 30 mg/dia tem efeitos gastrointestinais que as fazem interromper a terapia. Realizar a reposição de forma intermitente pode ajudar a reduzir os efeitos colaterais gastrointestinais e melhorar os estoques de ferro.

No passado costumava-se tratar a anemia ferropriva com sulfato ferroso 325 mg via oral 3 vezes ao dia (equivalente a 195 mg de ferro elementar). Entretanto, os estudos de reabsorção concluíram que a melhor dose para reposição é de 40 – 80 mg de ferro elementar por dia. Esses estudos mostram que altas doses não resultam em melhor absorção e estão associadas a maiores efeitos colaterais.

A complementação com ferro não deve ser realizada próxima ao consumo de leite, cereais, chás, cafés, ovos e suplementos de cálcio. A absorção de ferro oral é aumentada pelo consumo de suco de laranja ou 250 mg de vitamina C. Os efeitos gastrointestinais incluem: náuseas, flatulência, constipação, dor epigástrica e vômitos. Caso esses sintomas ocorram, deve – se diminuir a dose ou administrá – la de maneira intermitente.

Deve-se dosar novamente os níveis de ferritina e hemoglobina de 2 a 4 semanas após o inicio da terapia com ferro. Espera-se o aumento na hemoglobina de 1g/dl se a terapia for efetiva.

Tratamento com ferro intravenoso:

Para mulheres com anemia ferropriva que não toleram uso de ferro via oral ou as quais o tratamento não foi bem sucedido, a utilização de ferro intravenoso é uma opção terapêutica.

As mulheres no terceiro trimestre de gestação com anemia ferropriva têm maiores dificuldades de consumir quantidades adequadas de ferro via oral e suplementação, consequentemente, o tratamento com ferro intravenoso pode ser útil.

Outras populações de gestantes que podem se beneficiar do tratamento intravenoso são: pacientes com histórico de cirurgia gástrica, incluindo By pass – que resultam em produção de ácidos gástricos diminuída e dificuldade na absorção de ferro da dieta; pacientes com síndromes mal absortivas incluindo doença celíaca.

O ferro intravenoso causa menos efeitos colaterais que o via oral em gestantes.

As pacientes com deficiência de ferro severa necessitam de 1g de reposição. Alguns centros utilizam 5 infusões com 200 mg cada, enquanto outros fazem uma grande infusão de 1g. Entretanto essa não é uma recomendação aprovada pelo FDA. Uma opção é a administração de 750 mg de ferro carboximaltose em 15 minutos.

Muito hematologistas preferem a administração de múltiplas doses pequenas de ferro. Por exemplo, em Harvard as grávidas são tratadas com ferro sucrose IV 300 mg a cada 2 semanas em 3 doses. Para aumentar o acesso do tratamento do ferro intravenoso em gestantes, os obstetras precisam da colaboração de hematologistas e centros de infusões para estabelecimento de protocolos principalmente em mulheres no terceiro trimestre de gestação.

A deficiência de ferro é epidêmica. Na era da medicina de alta tecnologia é surpreendente como a carência de ferro ainda é um problema obstétrico não resolvido.

RESUMO



Diagnóstico de anemia, deficiência de ferro e anemia ferropriva na gestação:

ANEMIA:

O Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia recomenda dosagem de hemoglobina e hematócrito na primeira consulta pré-natal e no começo do terceiro trimestre de gestação.

É considerada anemia se a Hemoglobina < 11g/dl ou Hematócrito < 33% .

Se a anemia for diagnosticada há indicação de se investigar a causa, incluindo eletroforese de Hemoglobina, dosagem de vitamina B12 e níveis de folato.

DEFICIÊNCIA DE FERRO

O grupo de Ginecologia e Obstetrícia de Harvard recomenda a dosagem de ferritina na primeira consulta pré-natal e no começo do terceiro trimestre de gestação.

Nas gestantes com anemia um nível de ferritina < 40mg/ml define-se deficiência de ferro.

Se a gestante não está anêmica e os níveis de ferritina < 15 mg/dl define-se deficiência de ferro.

ANEMIA FERROPRIVA:

Para o diagnóstico de anemia ferropriva é necessário que a gestante apresente concomitantemente: Hemoglobina < 11g/dl ou Hematócrito < 33% + níveis de ferritina < 40 mg/ml + exclusão de outras causas de anemia como: perdas sanguíneas, hemólise, doença de medula óssea, medicações que suprimem a medula óssea, doença renal, malignidade, hemoglobinopatias e deficiências de vitamina B 12 ou folato.

Prefira fazer reposição com ferro em dias alternados:

Os trabalhos recentes mostram que reposição em dias alternados permite uma maior absorção de ferro em comparação com reposição diária.

Artigo revisado por Dra. Nathália Frare



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